quarta-feira, 16 de maio de 2018

A Bola Quadrada [1]

Numa manhã de domingo, daquelas de verão forte, Pedro mal comeu o pão torrado que sua mãe deixara antes de mais um dia de trabalho, foi logo pegando uma bola de borracha, bem desgastada e desceu as escadas do morro correndo em direção ao campinho de terra batida que havia ali perto.

imagem em: https://goo.gl/2xK6jw

O jogo de solteiros e casados da comunidade tinha hora para começar e a molecada queria adiantar os trabalhos. Os holofotes ligados; torcida eufórica gritava “Pedro Gol” num coro repetitivo e marcante; seus colegas se acomodavam para esperar a entrada do capitão do time do Flamengo. Quando Pedro tomou fôlego para então correr para o centro do campo e receber a mais calorosa saudação...
“O que é isso moleque?” Indagava um homem vestido com uma roupa incomum para um dia ensolarado de fim de semana. Botas pretas, calças de um tecido reforçado de tons rajados em cinza, um colete cheio de trecos, mangas longas, capacete e nas mãos a arma igualzinha à do último joguinho que Pedro jogara na sala de acesso.  “Tá de olhos fechados de cara pro sol! Pirou?”, continuou com uma voz firme aquela figura que parecia saída de uma história em quadrinhos, tocando-lhe um dos ombros.
De um susto, Pedro saiu daquele breve transe e situou sua realidade. Chinelos de dedo gastos pelo uso das brincadeiras de pega-pega e de esconder; shorts puídos pela lavagem no tanquinho que sua mãe fazia todos os dias; as pulseiras coloridas da moda, que enchiam quase a metade de seu braço esquerdo. Deixando a o bola cair ao chão e quicar levemente em direção ao pé direito, admirado com aquela figura, respondeu: “É que eu sempre respiro fundo antes de entrar no campinho pra jogar com meus amigos”.
“Mas hoje é dia de ocupação! Não vai ter joguinho nenhum!” Ríspido e quase bramando, continuava o herói dos quadrinhos ditando a ordem. “Vaza todo mundo! Não quero ver um vermezinho aqui em dois segundos!”. Pedro, então, piscou rapidamente fitando os olhos daquela figura indaga: “Tio, podemos jogar com vocês, então? É facinho, só apertar o botão do tiro quando alguém aparecer. Meu jogo é sinistro e...”. Antes que Pedro terminasse de falar recebe um baita empurrão do herói dos quadrinhos e caiu de costas. Começava um grande tiroteio entre policiais e traficantes que desconsideraram a panfletagem dos dias anteriores informando local e hora da chegada das forças do Estado.

 
imagem em: https://goo.gl/78uAP9

E era tiro para todo o lado e Pedro sentiu medo e buscou abrigo. Não sabia se corria para perto dos policiais ou para casa, de onde os tiros também partiam. Correu para perto de um muro, mas como havia esquecido a tão estimada bola borracha, ele se achava no dever de por a salvo seu único brinquedo. Aproveitou uma breve pausa na cadência dos disparos, olhou para um lado e para o outro, como se fosse atravessar uma rua com tráfego pesado, puxou mais uma vez o fôlego e foi. Pegou a bola e correu como um corredor dos 100 metros rasos para debaixo de sua cama.
Assustado, sozinho em casa, acabou adormecendo, mesmo ao som de tiros esporádicos. No final da tarde, já começando a esfriar, os policiais falavam mais alto, mais leve, numa atmosfera que lhe parecia familiar. Lembrava o churrasco na casa de seu tio que morava mais perto do asfalto, mas sem música. Resolveu sair e dar uma espiadela pela fresta da porta da frente.
Pronto, estava tudo em ordem. Sua casa cercada por heróis de quadrinho, com armas das quais nem nos videogames ele havia visto. Holofotes reais iluminavam o campinho de terra batida, mas havia bem no centro uma caixa, pintada em azul claro e branco, com faixas e letreiros que ele não conseguia ler. Repórteres de colete estranho falavam com tom e servis duras diante de câmeras e outros de coletes. Parecia uma coletiva depois do jogo que ele costumava assistir com sua mãe aos domingos.
Nem mãe, nem herói saído dos quadrinhos, nem mesmo seus colegas de futebol, nem aquele moço de mecha branca que aparece da televisão todas as noites, simplesmente ninguém conseguiria explicar o que havia acontecido naquele dia, nem o novo jeito de viver naquele bairro que era tão conhecido por Pedro. Passar pelas passarelas apertadas e escadarias íngremes, mesmo agarrado a uma das pernas de sua mãe, deixaria, sem paz, aquela mesma paz que fazia com que ele sonhasse todas as vezes antes de começar uma nova brincadeira. No meio do campo não teria mais uma bola esperando para começar o jogo.

[1] Trabalho entregue como avaliação parcial à disciplina Oficina de Texto I, do 1º Período do Bacharelado em Segurança Pública e Social, da Universidade Federal Fluminense (UFF), no dia 19/09/2014

terça-feira, 1 de maio de 2018

A violência cotidiana (Pull The Trigger - Puxe o Gatilho)


Outro dia, escutando a playlist do meu filho, uma batida interessante com letras que me chamaram a atenção. Tratava-se de um som chamado Pull The Trigger (Puxe o Gatilho), narrando uma sequencia de posturas firmes tomadas por alguém disposto a puxar o gatilho e conquistar o que for preciso.
Podemos ser levados pelo som e pela letra do refrão que gruda como chiclete... mas os sentidos possíveis dessa música são marcantes! Mesmo considerando o sentido coloquial da frase, como uma medida radical e sem volta, a tomada pela estrutura linguística remete à ação mecânica de um disparo de arma de fogo. No jargão da pista de tiro: “depois de puxar o gatilho, o projétil sai, não tem mais volta ao cano”.
Passando pelo caminho convencional, eu e minha esposa escutamos uma série de disparos. Tomamos um susto e avançamos o sinal vermelho para sair o mais rápido possível de perto dos tiros que zuniam do outro lado da rua. Mais tarde descobrimos ser a execução de um rapaz de 15 anos de idade, com 14 tiros.


Narrando ao meu filho o ocorrido, depois de ter notícias pelo telejornal, ele mandou: “14 tiros! Esse tava com muita raiva do moleque!”. De pronto respondi, sem muito elaborar: “raiva não! Desprezo pela vida!”
De fato, tomar a decisão de municiar, carregar, empunhar, respirar, fazer visada e esmagar a tecla do gatilho de uma arma de fogo, dispara mais que um tiro, mas uma reação em cadeia que pode culminar com a neutralização de alguém. E pasmem, não precisa de muito treino pra isso, não!
Estar em quaisquer dos lados do cano não é tarefa fácil. A probabilidade de lograr êxito em mais alguns instantes de vida é maior para aquele que está com o dedo na tecla do gatilho, em condições de efetuar o disparo. Mas não há garantias de que vá ser uma boa sobrevida, ou que os resultados não prossigam mais danosos que a própria morte.
Pull the trigger, seja de uma arma de fogo ou a tomada de decisão sob uma situação crítica, ambos merecem o devido cuidado para não condicionar os eventos que se seguem nos piores eventos de sua vida, por mais curta que venha a ser.


A música:

PULL THE TRIGGER (Puxe o gatilho)
Compositor: Russell James Vitale


Yeah, ey, ah, nothing
Pull the trigger
Ain't nobody gonna do it for you
Pull the trigger
Maybe, you should pull the fucking trigger
Pull the trigger, ain't nobody gonna do it for you
Pull the trigger, don't hesitate, just shoot

Yeah, why you believing the propaganda?
Why everybody sound like they want to be from Atlanta?
Are you the voice or the echo?
Are you the nail or the hammer?
I be talking while chewing my beats, I don't mind my manners
Choruses that fit the opera, that's why I need phantoms
I got my doubt at gun point, that's why I need ransoms
And I be handsome, that's why I got your girl before the money
Honestly, I thought I'd have 30m's before my twenties
But I'm cool with how it's happening
Girl in San Fran who wants to cross routes with me
Like a young Colin Kaepernick
Treat the money like a lateral, I'm passing it
'Cause my family's number one, never put 'em number two
Trying to buy a house in cash for all the times we had to move

All the times my mom cried 'cause she ain't know what else to do
All the times she lost hope 'cause she ain't know what else to lose
All the times I shoot shots 'cause I don't know what else to shoot, man

Pull the trigger, ain't nobody gonna do it for you
Pull the trigger, don't hesitate, just shoot

I'ma stay winning, I don't believe in luck
I believe that life's a buffet, better eat it up
I've seen enough to know that I'm really 'bout to blow
Never felt like an employee, always felt like CEO
Even when I stacked shoes, I was never clocked in
Yeah, I always walked out, but I never walked in
That's a tribute to my head-space
And lately my Devils have been Spanish chicks in red lace
Doing Brujeria on me for ten days
More like ten months, but I got out of it
If I fall in love again, it's probably with a Saudi chick
But I keep my head up high and my middle fingers higher, yo

Pull the trigger, ain't nobody gonna do it for you
Pull the trigger, don't hesitate, just shoot
Pull the trigger, ain't nobody gonna do it for you
Pull the trigger, don't hesitate, just shoot


A tradução:

Yeah, ah, nada
Puxe o gatilho
Ninguém vai fazer isso por você
Puxe o gatilho
Talvez você devesse puxar a porra do gatilho
Puxe o gatilho, ninguém vai fazer isso por você
Puxe o gatilho, não hesite, apenas atire

Por que você acredita na propaganda?
Por que todos parecem querer ser de Atlanta?
Você é a voz ou o eco?
Você é o prego ou o martelo?
Falo enquanto mastigo minhas batidas, não me importo com meus modos
Coros que se encaixam na ópera, é por isso que eu preciso de fantasmas
Tenho minhas dúvidas em relação à arma, por isso preciso de resgates
E eu ser bonito, é por isso que eu tenho sua garota antes do dinheiro
Honestamente, eu pensei que teria 30m antes dos meus vinte anos
Mas estou bem com o que está acontecendo
Garota em San Fran que quer cruzar rotas comigo
Como um jovem Colin Kaepernick
Trate o dinheiro como um lateral, eu passo
Porque a minha família é o número um, nunca os coloquei em segundo
Tentando comprar uma casa em dinheiro para todas as vezes que tivemos que mudar
Todas as vezes que minha mãe chorou por não saber mais o que fazer
Todas as vezes que perdeu a esperança por não saber mais o que perder
Todas as vezes que eu atiro porque não sei mais em que atirar, cara

Puxe o gatilho, ninguém vai fazer isso por você
Puxe o gatilho, não hesite, apenas atire

Eu continuo ganhando, eu não acredito em sorte
Eu acredito que a vida é um buffet, é melhor comê-lo todo
Eu vi o suficiente para saber que realmente estou prestes a explodir
Nunca me senti como um empregado, sempre me senti como CEO
Mesmo quando eu empilhava sapatos, eu nunca tinha
Sim, eu sempre saí, mas nunca entrei
Isso é uma homenagem ao meu pensamento
E ultimamente meus demônios foram gatinhas latinas de renda vermelha
Fazendo Brujeria comigo por dez dias
Pareceram dez meses, mas eu saí
Se eu me apaixonar de novo, provavelmente será uma gatinha saudita
Mas eu mantenho minha cabeça erguida e meus dedos do meio mais altos,

Puxe o gatilho, ninguém vai fazer isso por você
Puxe o gatilho, não hesite, apenas atire
Puxe o gatilho, ninguém vai fazer isso por você
Puxe o gatilho, não hesite, apenas atire

COMENTE

Para um Brasil melhor, comente, contribua ou critique as postagens.