Hannah
Arendt (1985) e Walter Benjamin (2011) discutem essas questões relacionadas à
promoção da violência por parte do Estado. Com circunstâncias próprias,
produzem significados próximos, mas com peculiaridades entres si. Mas as
categorias que apresentam, bem como as possibilidades de correlação com a
finalidade do Estado são intercambiáveis, mesmo quando se distanciam, mas
provocam reflexões sobre os significados do uso da força e da
instrumentalização do poder através da violência, ou a mera possibilidade de
seu uso.
Para
Arendt (1985), a violência pode ser interpretada como um recurso do poder,
criticando grupos que isolam a violência como fenômeno autônomo, percebendo que
a tal fenômeno está imbricado na dinâmica da construção do poder, bem como de
seus efeitos. Na concepção da autora, bandido e policial, por exemplo, poderiam
ser equiparados pelo exercício do poder através da violência, servindo esta
como meio para o exercício do domínio. Seja tal dominação legal ou ilegal, o
ferramental para construção do poder estar no uso ou possibilidade de uso da
violência, que pode se manifestar pela autoridade (meio legítimo) ou pelo terror
(meio ilegítimo), próprio da tirania, que poderia ter na violência a própria
finalidade da ação em cenário de ódio.
A
violência, ao se tornar a finalidade da ação do Estado, passaria a ser revelado
o ódio do agente público, o que afastaria da própria noção de formação do
Estado como exercício weberiano da esquematização da racionalidade pela
burocracia. Estaria evidente o perfil irracional do uso da violência como
finalidade, mas o uso desta como ferramenta poderia legitimar determinada
finalidade hobbesiana no Estado. Para Arendt (1985), a violência não cria coisa
alguma, mas o medo por sua aplicação teria essa função. Assim, a obediência
poderia ser construída pelo medo da violência, não por ela em si.
A
compreensão de Walter Benjamin (2011) considera a sociedade sob a dinâmica da
luta de classes, que justificaria a utilização da violência como meio de
transformação da ordem social, construindo um caminho para legitimação dos
meios com vistas à finalidade justa. Assim, Benjamin flexibiliza a percepção da
violência enquanto um meio, que pode ser interpretada conforme as orientações
finalísticas de uma ação. Ou seja, a violência contra um sistema soberano
violento pode ser legítima, com a finalidade de construir um sistema
socialmente justo, pois seria a maneira de anular forças mantenedoras de status e formuladoras de mais violência
simbólica e conformadora, do que propriamente física.
Por
outro lado, pode perceber a manutenção de um Estado de Direito, por meio do uso
autorizado da violência, como meio ilegítimo de manutenção de privilégios. Nesse
caso, o Direito, como manifestação material dos interesses da burguesia, seria
uma força violenta de manutenção das classes, representando uma superestrutura
para conformação do comportamento social. Assim, dependendo de onde se enxerga
e se apropria da violência como meio, existe a possibilidade de ser classificada
como legítimo ou ilegítimo tal instrumento, de acordo com interesses de quem a
classifica.
Mesmo
considerando cenário específico dos autores, ambas percepções podem colaborar
com a análise de situações atuais e recorrentes no Brasil e em outras partes do
mundo, no sentindo em que proporcionam argumentação de reflexão sobre o papel
do Estado na configuração do poder, podendo tecer escolhas entre meio legítimos
e ilegítimos para a promoção de suas ações e alcance dos objetivos. A
criminalidade urbana, seja através de organizações criminosas ou entes difusos,
pode sofre um processo de ressignificação e influenciar na escolha da
estratégia para mitigação dos efeitos sociais danosos. Mas apropriar-se de
forma justa instrumental “violência” pode representar legitimação e apoio
social às ações estatais.
Referências
ARENDT,
Hannah. Da Violência. Brasília: Ed. UnB, 1985.
ARENDT,
Hannah. Eichman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
BENJAMIN,
Walter. Crítica da violência: crítica do poder. In _____. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). São Paulo:
Editora 34, 2011. 176 pp.
BOURDIEU,
P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo:
EdUSP, 1996.
FOUCAULT,
Michel. A ordem do discurso. Aula Inaugural no Collége de France, pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2013.
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