terça-feira, 27 de janeiro de 2009

NAUFRAGIO... UMA NOVA VIDA

Ontem (26), completou sete anos de uma das tragédias fluviais que mais marcaram o Estado do Amapá, o naufrágio do barco “Cidade de Óbitos VI”, que vitimou sete pessoas, dos 187 passageiros e tripulantes que estavam na embarcação com capacidade para 300 pessoas.A tragédia que ganhou ampla repercussão nacional por ter acontecido com uma embarcação repleta de autoridades políticas, ocorreu no Rio Jari, a algumas horas do município de Laranjal do Jari, Sul do Estado do Amapá. O acidente que ceifou as vidas de: Carina dos Santos, Luan Richard, Arquimedes Afonso, Cláudia Colares dos Santos, Alexandre Junior, Vitor Santos e Simone Teran, ocorreu na madrugada do dia 26 de janeiro de 2002, por volta das 5 horas da manhã. Uma balsa de ferro, que estava a deriva chocou-se com o barco Cidade de Óbitos VI, abrindo um grande buraco no casco da embarcação, que não demorou muito para afundar, e deixar todos os passageiros lutando pela sobrevivência. Uns tiveram mais sorte e conseguiram pular para a própria balsa, outros nadaram o que puderam para as margens do rio e por lá ficaram horas a espera do socorro.

No Cidade de Óbitos VI estavam políticos como: Fátima Pelaes (deputada federal), Mira Rocha (deputada estadual), Rosemiro Rocha (ex-prefeito de Santana), Dr. Manoel Brasil (deputado estadual), Antonio Feijão (ex-deputado federal), entre outras personalidades do estado como o ex-presidente da Federação das Indústrias do Amapá (FIAP), Rodolfo dos Santos Juarez, que com seus filhos, Rodson e Rodrigo Juarez, foram os primeiros sobreviventes a chegaram em Macapá.


Meu depoimento:

Era um convite irrecusável. Eu que amo minha terra, não a conheço por completo ate hoje, não poderia recusar a oportunidade de acompanhar meu pai e participar dum evento político histórico no sul do Estado. Zarpamos, era uma tarde de sábado, nublada, típica do período chuvoso na Amazônia. Estávamos entusiasmados pela experiência. Muita diversão, conversas e acertos políticos já se iniciavam durante a viagem. A noite caiu de repente e aos poucos cada passageiro se ajeitava para um descanso anterior às atividades do domingo.

Lembro-me, até hoje, do som bizarro que rompeu a noite e o sono de todos. Uma balsa, parada numa curva do rio Jarí, recebia o impacto da embarcação que conduzia diversos dignitários e seus acompanhantes. Num salto, procurei pelo meu pai. Achei-o logo. Ele passava tranqüilidade, mesmo sem saber ao certo o que ocorria.

A cena era incrível: a balsa entrara no casco do navio, e mantinha a embarcação na superfície, o que possibilitava vários passageiros, em desespero, passarem para a balsa. As manobras tentadas pelos comandantes assustaram em muito o marujo que verificava o dano. Quando percebia a fisionomia daquele homem se alterando aos poucos, percebia também a gravidade da questão. Não imaginava que realmente afundaria... mas os olhos arregalados do marujo denunciavam. As maquinas param. Um som de curto circuito elétrico. As luzes se apagaram. As águas tomaram o convés. Gritos de desespero.

Tentei acordar meu irmão Rodrigo, mas não consegui. Peguei meu pai pelo braço e tomamos a decisão de pular. Por instinto, nadamos para a margem direita do rio que, coberta pela escuridão da madrugada, parecia estar a léguas do navio que afundava. “Meu Deus do céu!!!”. Foram as primeiras palavras de meu pai ao fixar os olhos espantados na tolda da embarcação, que sumia, engolido pelo rio faminto e caudaloso. Dali, equilibrado numa aninga (experiência ribeirinha da infância afuaense de meu pai), chorei a morte incerta de meu irmão Rodrigo e de meu tio Carlos Roberto (o tio Pé), que sumiram na confusa e barulhenta escuridão. Foram umas três horas de espera.

O sol nascera, mas não havia esperança, mesmo pela graça divina de um novo nascimento. Afinal, sumiam duas pessoas que eu amava. Como porcos fomos recolhidos por uma embarcação pequena, jogados de qualquer forma para dentro (eram muitos a serem resgatados). Comecei a ajudar. Grata surpresa: embarquei meu tio. Ao chegar num lugar seguro avistei meu irmão que, chorando, aliviou-se por reencontrar a mim e ao meu pai. Sete pessoas se foram no acidente. Os pêsames às famílias.

Graças ao meu Deus, que nos deu a oportunidade de continuar em família. Hoje, muita coisa mudou; sorrimos; perdemos outros (saudades); enfim, a vida continuou.

Um comentário:

Rodson Juarez disse...

Hoje relí essa postagem. Mais uma vez me emocionei relembrando as sensações daquele dia trágico. Infelizmente nossas autoridades nada fizeram para mudar a realidade insegura do transporte regional fluvial. Que, ao completar dez anos, o naufrágio seja lembrado como marco para uma nova política pública.

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